E nesse instante, quando a porta se fechou, o homem que andava nu pela casa, foi a correr até à sala, na esperança de encontrar ainda um resto daquele cheiro que já não cheirava há mais de quatro meses.
Nada.
Nada poderia ser mais forte que aquele cheiro a morte e a nada que se encontrava naquela sala.
Nessa altura, o homem que andava nu pela casa, fechou os olhos durante uns segundos, inspirou a falta de ar existente e sentou-se na mesinha da sala para escrever ou desenhar aquele momento.
A revista já lá não estava, de facto.
Mas o homem que andava nu pela casa, encontrou no seu lugar algo que preenchia o lugar daquela revista antiga sobre a tralha.
Um envelope, com certeza com uma carta ou um bilhete, e só poderia ser de uma pessoa:
Dela.
O homem preparou-se então para abrir o envelope, enquanto imaginava o que estaria escrito dentro dele.
Sentia duas sensações que lutavam entre si nas suas mãos:
- A curiosidade que lhe consumia o cérebro
- E o medo que lhe esmagava o estômago
Então, levantou-se suportando na mão direita o peso estrondoso desta batalha,
dirigiu-se para o quarto,
tirou os restos de comida da cama,
deitou-se,
levou o envelope à cara,
e ali ficou ele, o homem que andava nu pela casa, até adormecer, vestido pelo que restava do cheiro dos dedos dela,
(já pouco presente)
e o cheiro da saudade dele, entranhado naquele envelope, que ele iria, com certeza, abrir no dia seguinte.
-Até amanha.