Ela pensa que são espíritos que me incomodam enquanto sofro febril deitado na cama onde outrora morreu a minha avó.Não percebe que a doença, a não ser física, não tem que ser paranormal.Enche-me o quarto de incenso, esse bem cheiroso veneno de fantasma, enchendo-me a respiração de mais maus ares para eu respirar.-Sai daqui! - gritei-lhe eu com esperanças de sossego.- O que tens tu? - respondeu-me ela com esperanças filantropas.Ela não percebe que só quero estar sozinho, a lamentar-me dos males que gostaria de sofrer.Fico assim, todo o dia e toda a noite deitado na mesma cama, e já não consigo diferenciar o que é sonho do que não é,(nunca consegui)e quando ela me entra no quarto, não sei se ela é o anjo que me irrompe a realidade ou os demónios dos meus mais sombrios sonhos.-Sai daqui! - imploro-lhe eu com vontade de morrer-Só te quero ajudar! - Grita-me ela à procura de uma vida.Ela pensa que a solidão é um castigo, enquanto eu nela vejo um refúgio e a única esperança de salvação.Vós que viveis só por viver, o que haveis feito?Onde estão as vossas criações, que eu as não vejo ?Viveis uma vida de dia a dia, drogados pelo dia e pela noite e pelo relógio que os controla.Minha será a noite e meu será o dia, quando ambos não forem nem uma coisa nem outra.Eu, mais que qualquer um de vós, mereço uma vida bem vivida, e fico deitado toda a noite e todo o dia controlado pelos vossos relógios e com nojo da certeza de que se me levanto terei de ver os vossos olhos vazios e de caminhar ao lado dos vossos passos sem sentido.
- ''FORA DAQUI! VAMOS! VOLTEM PARA DONDE VIERAM'' - Ordenei-lhes- ACOOOOOOOORDA - Ordenou-me ela- O que se passa? estou a sonhar ?- Estavas a delirar, meu filho - disse-me ela com a aquela voz doce e preocupada que usa para me acordar todas as manhãs.-Bom dia - respondi-lhe eu. Depois, levantei-me, olhei para o relógio assustado, vesti-me rapidamente, peguei na pasta aturduado e ao sair de casa a correr, disse-lhe:- Já estou meia hora atrasado, porque é que não me acordaste antes pa ?!