Caminhava um velho do café em direcção ao mesmo.
Era todos os dias o mesmo:
o mesmo velho
o mesmo café
as mesmas pegadas
os mesmos pedidos:
-um fino ó Joca !
caminhava o velho do café em direcção ao mesmo.
Hoje era dia de bola:
o café cheio de gente
o café cheio de cervejas e bandeiras dos clubes
o café cheio de meninas bonitas que fingiam gostar muito do desporto só para arranjar uma noite bem passada facilmente.
E lá estava o velho a chegar ao café como todos os dias:
como se não houvesse jogo hoje
como se não houvesse amanha
como se não tivesse havido ontem ( de tal maneira que o velho ia em direcção ao café, sempre, como se fosse a primeira vez)
sempre como se fosse a ultima vez
entrou:
-um fino ó Joca !
Nunca se perguntou sequer porque é que o café estava cheio em certos dias da semana
nem sequer dava por isso
o seu lugar estava sempre reservado...
os finos sempre prontos a sair
Era tudo hoje
era hoje como sempre
era sempre tudo hoje
Hoje morreu o velho do café em direcção ao mesmo.
nem sequer adoeceu
fumava
bebia
fudia
e tudo o que aparentemente matava afinal não o matou
-uma pedraaa !
numa pedra tropeçou
uma pedra no caminho
uma pedra no sapato que o matou
e ele, o velho, o pobre velho que nunca adoeceu e viveu sempre para o presente
nunca morreu do medo do futuro:
foi uma pedra que o matou, foi o destino que destinou a morte que ele nem sequer pensara alguma vez existir.
Doravante o café terá sempre um lugar reservado, vazio, sombrio e frio e antigo com uma dedicatória que dizia qualquer coisa deste tipo (não me lembro bem o quê):
'o homem velho do café morreu hoje no presente em direcção ao mesmo.'
desconhecendo a história, eu, cheguei um dia ao mesmo, num dia de bola, distraído, sentei-me no seu lugar e balbucie com um inexplicável tremor de pernas:
-Um fino ó Joca !